Um pouco sobre bicicletas públicas - Ponto de vista pessoal e um pouco técnico.
Minha experiência com bicicleta
pública começou em 2008 quando da inauguração do então sistema Pedala Rio que
funcionou nos bairros de Copacabana e Ipanema. Infelizmente, como eram poucas
estações instaladas e não atendiam o meu bairro, tive pouco contato com esse
sistema, mas foi a ele que fui apresentado.
No final de 2011, com o sistema
reinaugurado e repaginado, finalmente foi instalada uma estação no meu bairro,
na minha esquina, e outras tantas pela cidade, isso fez diferença e deu
visibilidade, mas mesmo assim não cheguei a usa-lo em meus deslocamentos, pois para
os locais onde eu desejava ir não havia uma estação de destino próxima.
Em fevereiro de 2012 em viagem a
Londres e Paris, tive contato com o Barclays Cycle Hire e o Vélib. Naquelas
cidades percebi que era muito mais fácil e prazeroso circular nas bicicletas
públicas do que fazendo várias baldeações no metrô e gastando muito com
transporte público, além de ter um contato mais íntimo e próximo com a cidade.
Depois de vários dias usando os
sistemas londrinos e parisienses, parei para pensar no sistema que havia sido
instalado no Rio de Janeiro, até então o único no Brasil, e busquei descobrir
como ele foi desenvolvido, que tipo de assessoria foi feita para a sua
implantação e se havia previsão de expansão.
Foi quando então entrei em
contato com a Transporte Ativo, que foi a parceira da prefeitura e da empresa
que instalaram o Bike Rio, começando aí meus estudos sobre bicicletas públicas.
Em outubro de 2012 foi instalada
uma estação do Bike Rio próxima do meu trabalho, no Centro do Rio, foi então a
partir deste momento que me tornei usuário, pois finalmente havia duas estações
que me atendiam.
As diferenças entre o Bike Rio e os
sistemas londrino e parisienses não são muitas, mas as mais significativas
delas é a quantidade de estações por quilômetro quadrado e o número de vagas e
bicicletas disponíveis em cada estação.
Buscando o motivo dessa
discrepância, descobri então que as diferenças dos sistemas se davam
basicamente pela falta de conhecimento acerca da dinâmica de um sistema de
bicicletas públicas, sendo lançados os Termos de Referência em editais que limitam
o tamanho das estações.
Essa limitação faz com que o
sistema nasça engessado, tornando difícil a sua maleabilidade e expansão.
Pode-se delimitar em um edital a quantidade de bicicletas e o número de
estações, porém, o tamanho das estações deve estar sempre aberto a adequações
de demanda.
Estações localizadas próximas a
estações de transportes de massa devem possuir tamanho adequado à sua demanda,
devendo haver vagas disponíveis de acordo com a demanda.
E neste sentido, é fundamental
que uma estação de bicicleta pública com grande demanda de usuários seja maior,
ou seja, possua mais vagas, do que outras estações menos procuradas, e isso se
dá, inclusive, para atender o número total de bicicletas existentes no sistema,
sob pena de se chegar a um colapso, onde várias estações ficarão o tempo todo
lotadas e outras o tempo todo vazias. Essa incoerência nos sistemas brasileiros
geram problemas logísticos para a operadora do sistema, que deve ficar o tempo
inteiro fazendo uma redistribuição de bicicletas que, pela lógica do sistema,
deve ocorrer naturalmente.
Há estudos matemáticos, com
fórmulas e equações que ajudam a analizar qual é o tamanho adequado de uma
estação, observando-se a quantidade de bicicletas existentes no sistema e a
demanda de deslocamento para as regiões atendidas partindo-se daquela estação
específica.
Por exemplo: No sistema do Rio de
Janeiro há 600 bicicletas, qual o tamanho ideal da estação localizada na Praça
XV?
Considere que a Praça XV é uma
estação de integração com as Barcas, que recebe 400 mil passageiros por dia,
sendo que as estações de destino do Bike Rio estão localizadas na Zona Sul.
Calculando-se a quantidade de passageiros que descem nas barcas e seguem de para
a Zona Sul, numa distância de até 3km (média de deslocamentos de bicicleta),
chega-se a um número aproximado de bicicletas que podem sair e chegar na Praça
XV, e daí calcula-se o tamanho médio necessário para aquela estação.
Certamente não serão as atuais 12
vagas! Elas vivem cheias pela manhã e a partir das 17hs não se consegue mais
pegar bicicleta naquela estação. E a operadora está impedida, por força do
Edital, de ampliar esta estação.
Outra questão importante, é que
os gestores preocupam-se em atender uma área grande da cidade, daí porque os maiores
sistemas brasileiros hoje possuem em média 2, no máximo 3 estações por
quilometro quadrado, sendo que os melhores sistemas existentes no mundo possuem
mais de 8 estações por quilômetro quadrado.
Diversos estudos de viabilidade
técnica já publicados (de 2010 para cá foram vários nos EUA e Europa) indicam
que o sistema de bicicleta pública deve ser pensado para suprir a demanda de
deslocamentos internos dentro uma
determinada região central onde há uma necessidade de deslocamentos múltiplos
para diversos pontos.
A partir da consolidação das
bicicletas públicas na região central, parte-se para a expansão em direção às áreas
periféricas, em futuras etapas de implantação, até que se atinja o tamanho
desejado ou até mesmo a cidade inteira, em vez de serem instaladas estações
espalhadas em pontos estratégicos pela cidade.
Esse engessamento provocado pela
própria falta de técnica dos termos de referência dos editais geram um problema
logístico, que para ser mitigado, obriga a operadora a operar com um número reduzido
de bicicletas, não suprindo a demanda dos usuários.
O sucesso ou o fracasso dos sistemas
de bicicletas públicas dependem mais da conveniência para o usuário do que a
própria chamada “cultura da bicicleta”. Se o sistema estiver muito presente,
havendo muitas estações espalhadas em uma região, as pessoas logo descobrem que
é melhor, mais barato e mais prazeroso se deslocar naquela região com a bicicleta pública do que simplesmente fazendo
os deslocamentos a pé, de carro ou de transporte público.
O patrocínio é muito importante
pois o sistema é muito caro para ser sustentado com as assinaturas dos usuários
e, sem ele, dependerá então de subsídio para que o preço seja suficientemente baixo
para atrair o usuário.
Vale lembrar que não há registros
de um sistema de bicicletas públicas que tenha sido instalado em uma escala
considerável - com pelo menos umas 30 estações e uma centena de bicicletas dentro
de uma região de alta densidade - que não tenha tido êxito.
Atualmente há sistemas em 5
capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e
Salvador, e também em outras duas cidades importantes como Sorocaba e Santos, além
de diversos outros sistemas menores em cidades pequenas.
No mundo atualmente há mais de
535 sistemas de bicicletas públicas, sendo o ranking dos 3 maiores sistemas: 1.
Wuhan, China, com 90 mil bicicletas; 2. Hanghzou, China, com 70 mil bicicletas
e Paris, França com 23.900 bicicletas.
Um dos efeitos diretos nas
cidades onde as bicicletas públicas foram implantadas em larga escala é o
alívio na pressão sobre os transportes públicos, especialmente metrô e ônibus,
pois as pessoas deixam de usar esses modais para transportes de curta distância
e passam a usar a bicicleta pública que é mais rápida e barata.
Os efeitos indiretos são vários,
mas o mais significativo deles é o fato de que a pessoa se acostuma a usar a
bicicleta pública nos pequenos deslocamentos daquela região onde o sistema está
implantado e então quer usar a bicicleta para outros deslocamentos maiores ou
que por ventura não são cobertos pela bicicleta pública, e nesses casos as
pessoas partem então para adquirir a própria bicicleta.
Esse fenômeno foi percebido em
cidades como Paris, Londres e atualmente Nova York, onde as bicicletarias estão
pipocando e já há inclusive relatos de falta de mecânicos! Um claro sinal do
aumento das vendas e do uso das bicicletas em bases diárias.
Outro efeito indireto é que
normalmente os sistemas de bicicletas públicas catapultam a implantação de
infraestrutura cicloviária, já que com o maior número de ciclistas na rua e dada
a sua grande visibilidade, pios as bicicletas públicas são mais chamativas que
as tradicionais e logo, os seus usuários são mais notados na rua no dia-a-dia
do que os usuários de bicicletas convencionais.
Esse aumento no número de
ciclistas faz com que os gestores públicos deixem de ignorar a demanda por
adequada infraestrutura que ofereça mais segurança aos usuários da bicicleta.
Ainda, é notado uma notória
melhoria na qualidade de vida dos usuários e já estão sendo levantados dados em
cidades europeias que indicam uma redução dos custos com saúde pública desde
que o sistema de bicicletas públicas passou a ser usado em larga escala, com
diminuição de incidências de doenças relacionadas ao estresse e sedentarismo.
A cidade de Sorocaba é um exemplo
interessante, pois o sistema de bicicletas públicas é gratuito e totalmente
subsidiado pela prefeitura, que o adotou como medida de saúde pública
principalmente e não de mobilidade urbana.
Os sistemas de bicicletas
públicas são uma realidade e tendem a chegar em todas as cidades médias e
grandes nos próximos anos. Não há como negar os benefícios e a sua necessidade
para suprir as demandas de deslocamentos em curtas distâncias.
No futuro próximo as bicicletas
públicas serão tão comuns quanto os taxis nas grandes cidades.
Muito bom esse texto Rodrigo. Pena que os governantes estão agindo mais pela modinha e garantir votos, do que realmente resolver os problemas de locomoção e saúde. Mas quem sabe com essa expansão do Bike Rio isso mude.
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